Terceiro setor precisa de contabilidade eficaz


Um dos principais desafios do terceiro setor é o seu financiamento. Para receber recursos públicos, é necessário comprovar a idoneidade financeira e fiscal da entidade, além de fazer a prestação de contas. No caso de recursos privados, são exigidas certas contrapartidas e, muitas vezes, as demonstrações financeiras precisam ser aprovadas por auditores independentes. Em uma ou em outra modalidade, a contabilidade deve se fundamentar em dados concretos, fidedignos e muito bem organizados. Além disso, as organizações sem fins lucrativos precisam comprovar que permanecem aptas a manter a isenção de impostos. Daí a necessidade de uma escrituração contábil e fiscal regular, de qualidade e com informações que atendam a todos os usuários, em especial aqueles que as financiam. O terceiro setor conta ainda com regras contábeis específicas. Não existe lucro ou prejuízo, e sim déficit ou superávit. As isenções ou imunidades precisam ser quantificadas para que sejam apontadas as contrapartidas a ser entregues pela entidade. Em caso de superávit, este não pode ser distribuído aos associados, mas sim reinvestido. Já a remuneração de funcionários precisa ser registrada, para atender ao controle fiscal. E o trabalho de voluntários também deve ser valorado e registrado, assim como os bens recebidos em doação. O diretor-presidente da Planned Soluções Empresariais, Adelmo Nunes Pereira, explica que “nesse ambiente, algumas práticas podem trazer benefícios às organizações do terceiro setor” Algumas delas “são a contabilidade por centro de custos (por projeto), o controle contábil do movimento financeiro por projeto, a prestação regular de contas e a demonstração do valor gerado pela entidade”, diz. JC Contabilidade – Que pontos devem ser alvo de maior atenção dos contadores ao prestarem serviços a organizações do terceiro setor? Adelmo Nunes Pereira – É muito importante ressaltar que a contabilidade tem um papel decisivo no terceiro setor, pois é ela quem irá demonstrar de forma clara os fatos e atividades operacionais das entidades. Um dos principais desafios do terceiro setor é o seu financiamento. Para receber recursos públicos é necessário comprovar a idoneidade financeira e fiscal da entidade, além de fazer a prestação de contas. Contabilidade – As organizações do terceiro setor em geral mantêm estruturas de governança? Pereira – É muito difícil para uma organização do terceiro setor manter estrutura de governança, especialmente pela incerteza da entrada de recursos. As entidades trabalham com estruturas bem enxutas, privilegiando sua atividade-fim. Neste caso, a prioridade é aplicar os recursos recebidos de acordo com o compromisso firmado com os financiadores. Contabilidade – Elas devem seguir recomendações de algum órgão regulador? Pereira – A legislação sobre terceiro setor prescreve os limites que devem ser adotados. Limites para remuneração, proibição para distribuição de lucros, cálculo de gratuidade, destinação do patrimônio no término das atividades, prestação de contas quando da utilização de recursos incentivados ou nas parcerias e convênios como o setor público. Também o controle das contrapartidas exigidas é motivo de preocupação. Desta forma, inexiste um órgão regulador, mas um sistema legal que afeta as entidades. Outro ponto a considerar são as certificações, como, por exemplo a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social na Área de Educação (Cebas), que asseguram às entidades firmar certos tipos de parcerias e acessar recursos públicos. Contabilidade – Qual importância de investir em auditoria? Quando pode ser importante? Pereira – No caso de recursos privados, são exigidas certas contrapartidas e, muitas vezes, as demonstrações financeiras precisam ser aprovadas por auditores independentes. Em uma ou em outra modalidade, a contabilidade deve se fundamentar em dados concretos, fidedignos e muito bem organizados, daí a importância da auditoria. Contabilidade – O Marco Legal das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) representou avanços inclusive à contabilidade dessas organizações? Pereira – O principal avanço com a nova legislação (Marco Legal) é um maior controle sobre a execução do contrato feito entre o poder público e essas entidades. Com a nova legislação, foram determinadas novas regras para as assinaturas de contratos entre organizações não governamentais e o setor público, cujo objetivo é aprimorar a execução de atividades, programas e projetos de interesse público, realizados pelas entidades e associações sem fins lucrativos. Outro ganho significativo foi promover mais transparência às transferências de recursos da União e outras esferas federativas através de contratos de repasse, convênios, instrumentos congêneres ou termos de parceria para as organizações da sociedade civil deste setor. Com o novo Marco Regulatório o que mudou foi a utilização de convênios para formalizar parcerias entre as entidades do terceiro setor (sem fins lucrativos) e o poder público. Bem como ficar em dia com todas as obrigações e procedimentos contábeis, o que é essencial não somente para o projeto ter controle e cumprir a legislação, mas também para garantir transparência na aplicação dos recursos e posteriormente ter como receber recursos públicos. Contabilidade – Recentemente, o governo federal acusou erros e iniciou uma investigação de mais de 100 Organizações Não Governamentais (ONGs) brasileiras. Essa foi uma ação correta? Pereira – Sim, sem dúvida. Quando recursos públicos são canalizados via ONGs, a fiscalização deve ser rígida, para evitar a malversação. Um grande problema do País é a dificuldade dos recursos orçados chegarem efetivamente ao seu destino e cumprirem com sua função social, previamente definida. Contabilidade – Até que ponto o governo não exige mais dessas instituições do que elas seriam capazes de responder? Pereira – Qualquer organização deve ser minimamente capaz de responder de forma responsável pelos recursos colocados sob sua gestão. Se inexiste capacidade de gestão destes recursos alocados, então o problema está com quem tem a obrigação de escolher as entidades receptoras. Quando entramos na seara de recursos públicos empregados, não existe possibilidade de flexibilização. A lei tem que ser cumprida, a fiscalização tem que ser efetiva. No âmbito de ONGs que apenas recebem recursos privados, o desafio imposto pela imunidade ou isenção não afasta o rigor nos controles. As entidades precisam de muita transparência na aplicação dos recursos, pois correm o risco de perder sua condição de imunes ou isentas. Além disso, a transparência é requerida para que sejam honradas as doações recebidas, que devem ser aplicadas de acordo com a vontade dos financiadores. Esta vontade é aceita pela receptora. Logo, deve ser honrada. Entendemos que o segmento não comporta entidades amadoras, que tenham como principal elemento a boa vontade de seus colaboradores e associados. Ou se atua com rigor, nos termos da lei, ou é melhor não se constituir formalmente como entidade jurídica. Contabilidade – Há normas de contabilidade específicas para este setor? Em que âmbito? Pereira – A contabilidade das entidades do terceiro setor deve obedecer os princípios de contabilidade (Lei nº 6404/76, alterada pela Lei nº 11.638/2007), ITG 2002 (Resolução nº 1.409/2012), NBC TG 1000 – Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas, ou as normas completas (IFRS completas). A mudança para distinção dos demonstrativos é feita principalmente na utilização das nomenclaturas próprias para o terceiro setor. Nos demais, todo o fechamento e critérios é igual a todas as contabilidades. Contabilidade – As empresas de contabilidade devem adaptar os serviços prestados às necessidades dos clientes? Pereira – Sim, é cada vez mais necessário personalizar os serviços. Atender o cliente em suas necessidades, alinhadas com sua estratégia. Se uma entidade tem que prestar contas a determinado financiador, e este exige certo padrão, a empresa de contabilidade deve garantir o formato exigido. A estruturação do plano de contas contábil e gerencial, por projeto é um requisito essencial para a transparência e prestação de contas. Além disso, quando se tem as entradas de recursos e as saídas organizadas por projeto, isso permite estratégias de captação de recursos, focando-se nos projetos.

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